John Pilger
Resistir.info,
26/04/13
Orixinal en
inglés em Counterpunch
Após o desaparecimento de Thatcher, recordo suas
vítimas. A filha de Patrick Warby, Marie, foi uma delas. Marie, com cinco anos,
sofria de uma deformidade do intestino e precisava de uma dieta especial. Sem
ela, o sofrimento era aflitivo. Seu pai era um mineiro de Durham e gastara
todas as suas poupanças. Era o Inverno de 1985, a Grande Greve tinha quase um
ano e a família estava empobrecida. Embora a necessidade de operação não fosse
contestada, o Departamento de Segurança Social recusou ajuda a Marie. Posteriormente,
obtive registos do caso mostrando que Marie fora recusada porque o seu pai era
"influenciado por uma disputa sindical".
A corrupção e desumanidade sob Thatcher não
conheciam fronteiras. Quando chegou ao poder em 1979, Thatcher pediu uma proibição
total de exportações de leite para o Vietname. A invasão americana havia
deixado um terço das crianças vietnamitas desnutridas.
Testemunhei muitas visões penosas, incluindo crianças a ficarem cegas devido à falta de vitaminas. "Não posso tolerar isto", disse um médico angustiado num hospital pediátrico de Saigão, quando olhávamos para um rapaz a morrer. A Oxfam e a Save the Children havido deixado claro para o governo britânico a gravidade da emergência. Um embargo conduzido pelos EUA havia forçado o preço local do quilo de leite a subir para dez vezes o do quilo de carne. Muitas crianças podiam ter sido recuperadas com leite. A proibição de Thatcher impediu.
Testemunhei muitas visões penosas, incluindo crianças a ficarem cegas devido à falta de vitaminas. "Não posso tolerar isto", disse um médico angustiado num hospital pediátrico de Saigão, quando olhávamos para um rapaz a morrer. A Oxfam e a Save the Children havido deixado claro para o governo britânico a gravidade da emergência. Um embargo conduzido pelos EUA havia forçado o preço local do quilo de leite a subir para dez vezes o do quilo de carne. Muitas crianças podiam ter sido recuperadas com leite. A proibição de Thatcher impediu.
No vizinho Camboja, Thatcher deixou um rastro de
sangue, secretamente. Em 1980, ela exigiu que o defunto regime Pol Pot – o
assassino de 1,7 milhão de pessoas – retivesse o seu "direito" a
representar suas vítimas na ONU. A sua política era de vingança do libertador
do Camboja, o Vietname. O representante britânico foi instruído a votar com Pol
Pot na Organização Mundial de Saúde, impedindo-a dessa forma de proporcionar
ajuda para o lugar onde era mais necessária do que qualquer outro na terra.
Para esconder esta infâmia, os EUA, a Grã-Bretanha
e a China, os principais apoiantes de Pol Pot, inventaram uma "coligação
de resistência" dominada pelas forças do Khmer Rouge de Pol Pot e
abastecida pela CIA em bases ao longo da fronteira tailandesa. Havia uma
dificuldade. Na sequência da derrocada do Irangate, armas-por-réfens, o
Congresso dos EUA proibira aventuras clandestinas no estrangeiro. "Num
daqueles acordos ambos gostavam de fazer", contou um alto responsável do
Whitehall [1]
ao Sunday Telegraph, "o presidente Reagan sugeriu a Thatcher que o
SAS [2]
deveria assumir o comando do show do Camboja. Ela prontamente concordou".
Em 1983, Thatcher enviou o SAS para treinar a
"coligação" na sua própria e diferente marca de terrorismo. Sete
equipes de homens do SAS chegaram de Hong Kong e soldados britânicos começaram
a treinar "combatentes da resistência" em estender campos de minas
num país devastado pelo genocídio e a mais alta taxa de mortes e mutilações do mundo
devido a campos de minas.
Noticiei isto na altura e mais de 16 mil pessoas
escreveram a Thatcher para protestar. "Confirmo", respondeu ela ao
líder da oposição Neil Kinnock, "que não há envolvimento do governo
britânico de qualquer espécie no treino, equipamento ou cooperação com o Khmer
Rouge ou aliados dele". A mentira era de cortar o fôlego. Em 1991, o
governo de John Major admitiu no parlamento que o SAS havia na verdade treinado
a "coligação". "Nós gostamos dos britânicos", disse-me mais
tarde um combatente do Khmer Rouge. "Eles foram muito bons a ensinar-nos a
montar armadilhas explosivas (booby traps). Pessoas confiantes, como
crianças em campos de arroz, foram as vítimas principais".
Quando os jornalistas e produtores do memorável
documentário "Death on the Rock" , da ITV, revelaram como o SAS
havia dirigido outros esquadrões da morte de Thatcher na Irlanda e em
Gibraltar, foram perseguidos pelos "jornalistas" de Rupert Murdoch,
então acovardados em Wapping [3] atrás do
arame farpado. Embora absolvida, a Thames TV perdeu sua concessão da ITV.
Em 1982, o cruzador argentino General Belgrano
navegava fora da zona de exclusão das Falklands [4] . O navio não
constituía ameaça, mas Thatcher deu ordens para que fosse afundado. Suas
vítimas foram 323 marinheiros, incluindo adolescentes alistados. O crime tinha
uma certa lógica. Dentre os mais próximos aliados de Thatcher estavam
assassinos em massa – Pinochet no Chile, Suharto na Indonésia, responsáveis por
"muito mais do que um milhão de mortes" (Amnistia Internacional). Embora
desde há muito o estado britânico armasse as principais tiranias do mundo, foi
Thatcher que com um zelo de cruzado procurou tais acordos, conversando
empolgada acerca das mais refinadas características de motores de aviões de
combate, negociando arduamente com príncipes sauditas que pediam subornos.
Filmei-os numa feira de armas, a acariciarem um míssil reluzente. "Terei
um daqueles!", disse ela.
No seu inquérito das armas-para-o-Iraque, Lorde
Richard Scott ouviu evidências de que toda uma camada do governo Thatcher,
desde altos funcionários civis até ministros, mentira e infringira a lei na
venda de armas a Saddam Hussein. Eram os seus "rapazes". Se folhear
números antigos do Baghdad Observer encontrará na primeira página fotos
dos seus rapazes, principalmente ministros do gabinete, sentados com Saddam na
sua famosa poltrona branca. Ali está Douglas Hurd e um sorridente David Mellor,
também do Foreign Office, na época em que o seu hospedeiro ordenava o
gaseamento de 5000 curdos. A seguir a esta atrocidade, o governo Thatcher
duplicou créditos comerciais para Saddam.
Talvez seja demasiado fácil dançar sobre a sua
sepultura. O seu funeral foi uma proeza de propaganda, adequada a um ditador:
uma mostra absurda de militarismo, como se se houvesse verificado um golpe. E
foi. "O seu triunfo real", disse outro dos seus rapazes, Geoffrey
Howe, ministro da Thatcher, "foi ter transformado não apenas um partido
mas dois, de modo que quando o Labour finalmente retornou, a maior parte do
thatcherismo era aceite como irreversível".
Em 1997, Thatcher foi o primeiro antigo
primeiro-ministro a visitar Tony Blair depois de ele ter entrado na Downing
Street [5] .
Há uma foto deles, juntos num ricto: o criminoso de guerra em embrião com a sua
mentora. Quando Ed Milliband, na sua untuosa "homenagem", travestiu
Thatcher como "corajosa" heroína feminista cujas façanhas
pessoalmente "admira", fica-se a saber que a velha assassina não morreu
de todo.
Notas
(1) Whitehall: rua onde está o Parlamento britânico.
(2) SAS: tropas especiais britânicas.
(3) Wapping: bairro de Londres para onde Murdoch mudou a sua empresa, por trás de uma fortaleza a fim de fugir a pressões sindicais da Fleet Street.
(4) Falklands: Malvinas
(5) Downing Street: residência oficial do primeiro-ministro britânico.
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